Entre os autores cujas obras foram reprovadas por serem consideradas ‘inadequadas’ estão clássicos como Eric Hobsbawm, Câmara Cascudo e Weber
Na sexta-feira, 11, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, anunciou, através do site da entidade, a conclusão de um amplo levantamento das 9.546 obras abrigadas no acervo da instituição. Os resultados da pesquisa foram apresentados através de um relatório intitulado “Retrato do acervo – três décadas de dominação marxista na Fundação Cultural Palmares”. O levantamento concluiu que apenas 478 títulos —ou aproximadamente 5% do conjunto — encontravam-se em conformidade com a missão institucional da Fundação e em condições adequadas para uso. Já as mais de 9 mil obras restantes foram reprovadas e, segundo comentário do presidente da Fundação, serão transferidas ou doadas para outras bibliotecas.
Para embasar a decisão para a transferência das obras julgadas fora da conformidade com os fins da Fundação Palmares, o relatório as agrupa em 14 categorias sui-generis de análise. Estas atendem por nomes tais como “sexualização de crianças”, “delinquência juvenil”, “técnicas de vitimização”, “pornografia juvenil”, “obras de/sobre Karl Marx”, “obras obsoletas” etc.
Dentre os autores cujas obras foram consideradas inadequadas após a análise, encontram-se, além dos já mencionados Wells, Hobsbawm e Câmara Cascudo, tanto autores contemporâneos, como o historiador Marco Antônio Villa, quanto pensadores e autores clássicos do porte de Max Weber, Karl Marx, Marquês de Sade e até mesmo Machado de Assis – o exemplar de 1938 de “Papéis Avulsos”, do Bruxo do Cosme Velho, foi reprovado, em parte, por não seguir as regras ortográficas adotadas de 2009 para cá. Para o diretor-presidente da Fundação Editora Unesp e membro da diretoria da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU), Jézio Hernani Bomfim Gutierre, a decisão da Fundação Palmares de se desfazer de grande parte do seu acervo pelos motivos colocados acima é um sinal de obscurantismo. “Isso vai contra o coração da atividade acadêmica e racional, que busca levar em consideração a diversidade de ideias como fundamento para que se possa empreender o debate intelectual”, diz.
“Dicionário do folclore brasileiro”, de Luís da Câmara Cascudo: A fundação até o chama de “clássico”, mas “gramatical e ortograficamente desatualizado”, “com páginas soltas e exibindo um forte cheiro de mofo” — o que seria motivo se livrar dele, e não para restaurá-lo.
A justificativa é ridícula, e existem edições novas com ortografia atualizada.
Gutierre diz que os membros da ABEU já se mostraram escandalizados com a notícia. “O objetivo das editoras universitárias é fazer com que a circulação de conceitos se amplie cada vez mais. O que estamos vendo, não apenas no caso triste da Fundação Palmares, mas em outras searas da vida intelectual brasileira, é o cerceamento do fluxo de ideias. As pessoas não querem ser contraditadas em relação ao que elas acreditam, não querem ouvir outras visões”, diz. Ele pondera que o fato de que esse cerceamento esteja ocorrendo em instituições que, a princípio, deveriam ser um motor de progresso intelectual, só torna o posicionamento adotado pela Fundação Palmares “mais triste e mais grave.” “Isso é uma tentativa espúria e autoritária de cerceamento de ideias”, avalia.
https://jornal.unesp.br/2021/06/15/em-cruzada-obscurantista-fundacao-palmares-pensa-em-se-desfazer-de-54-dos-livros-de-seu-acerco/
http://blog.tribunadonorte.com.br/territoriolivre/nem-camara-cascudo-escapou-dos-absurdos-da-fundacao-palmares/
Fonte Imagem: encantaria cultura popular
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