Dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar, como cantou Dorival Caymmi, em sua célebre homenagem à Iemanjá. Embora a divindade seja cultuada em diferentes épocas do ano pelo Brasil conforme as tradições locais, é nesta data que ela recebe as reverências mais famosas, sobretudo em Salvador, quando uma multidão de pessoas se dirige ao Bairro Rio Vermelho para enviar suas oferendas à Rainha do Mar.
No Rio, há festejos em várias regiões da cidade, mas uma cerimônia
semelhante à da capital baiana se estabeleceu há mais de 20 anos com a Festa de
Iemanjá no Arpoador, idealizada e organizada por William Vorhees. Segundo ele,
o evento chegou a reunir mais de 3 mil pessoas em suas últimas edições. Hoje
haverá mais uma. “Começamos às 14h e, no pôr do sol, levamos as oferendas ao
mar”, avisa ele, que escolheu o dia 2 de fevereiro inspirado justamente pela
música de Caymmi.
De olho na pauta ambiental, o festejo carioca prioriza flores e
frutas entre as oferendas e até o barco que leva os presentes ao mar é feito de
material orgânico. “Tentei trazer essa reverência para o nosso tempo. Não tem
nada de plástico nem espelhinhos. E muitos participantes acompanham o envio dos
presentes sobre stand up pedals”, complementa William.
Mas até chegar a essa versão, digamos, mais modernosa de sua festa,
a divindade atravessou a História do Brasil, sofrendo uma série de alterações
em sua figura. Desde que viajou pelos oceanos a partir do continente africano e
aportou no país, ela teve sua imagem embranquecida pelo sincretismo religioso e
as associações à Nossa Senhora. Com mais de 20 anos de pesquisa sobre Iemanjá,
o babalorixá do candomblé Casa das Águas, Armando Vallado, que é doutor em
Sociologia pela Universidade de São Paulo, tem se debruçado sobre a história
dela e ajudado a entendê-la melhor, com os livros “Iemanjá, a grande mãe
africana do Brasil” e “Iemanjá: mãe dos peixes, dos deuses, dos seres humanos”,
ambos da editora Pallas. “Iemanjá é conhecida por todos, é cantada e festejada.
Até mesmo os seguidores de outras religiões falam de seus poderes. Iemanjá é a grande
mãe africana do Brasil”, diz ele, que nos ajuda a entender um pouco sobre a
divindade a seguir.
O começo
“O culto de Iemanjá foi trazido para o Brasil pelos povos de origem
iorubá, em fins do século XVIII até quase metade do século XIX. Na África,
Iemanjá é divindade das águas doces, cultuada à beira do Rio Ogum. No Brasil, o
culto transferiu-se para o mar, visto que rios e cachoeiras foram atribuídos a
Oxum.”
2 de fevereiro
“A sincretização ocorre de maneira diversificada ao longo do
território brasileiro, já que cada região cultua Nossa Senhora de uma maneira
particular (em São Paulo e no Recife, por exemplo, Iemanjá foi fortemente
associada à Nossa Senhora da Conceição e, por isso, é homenageada em 8 de
dezembro). Em Salvador, ela é ligada à Nossa Senhora das Candeias, celebrada em
2 de fevereiro. Daí a festa mais antiga em louvor a Iemanjá no Brasil ocorrer
justamente nessa data. Esta cerimônia encerra um ciclo de celebrações que
começa em 4 de dezembro com a Festa de Iansã (sincretizada com Santa Barbara),
seguida por Oxum em 8 de dezembro (associada à Nossa Senhora Conceição).”
Relação com o mar
“O nome Iemanjá (Yeye omo ejá, mãe dos filhos peixes) nos conduz à
função materna e também como divindade protetora da pesca. Mas ela também
aparece como guerreira e amante em outros mitos. No Brasil, ganhou a posição de
grande mãe, perdendo as demais características, principalmente por conta de seu
sincretismo com a Virgem Maria.”
Embranquecimento
“Com o fortalecimento do culto à Iemanjá, ela foi se aproximando
mais e mais da Virgem Maria. Na Umbanda, nascida nos anos 1930, ela assumiu a
figura de mulher branca, cabelos negros longos e lisos, usando um vestido azul
claro (cor que aparece em Nossa Senhora), trazendo à cabeça um diadema com uma
estrela. Na África e nos terreiros de candomblé brasileiros, onde o sincretismo
não existe, segue sendo representada por uma figura com ancas largas e grandes
seios que, simbolicamente, amamentam seus devotos.”
Filhos de Iemanjá
“A religião dos orixás ensina que cada pessoa pertence a uma
divindade do panteão sagrado, de quem herda características físicas e de
personalidade. Para descobrir esse pertencimento, consulta-se o oráculo de jogo
de búzios. Dentro dos terreiros, pertencer a este ou aquele orixá significa ter
suas características principais. Sendo assim, os filhos de Iemanjá são
maternais, possessivos, ciumentos, dadivosos e rancorosos. Também são
econômicos por natureza, mas adoram presentear os outros. São ainda dedicados, objetivos
e sabem se colocar dentro de uma hierarquia. Como amantes são por vezes frios,
calculistas e pensam unicamente em si mesmos, principalmente quando seus
desejos não são atendidos. No entanto, idealizam para si uma relação perfeita,
harmoniosa, em que devem ser amados e cobram por isso.”
O porquê das flores
“Desde que ela passou a ser vista como rainha das águas do mar,
iniciou-se também o culto nesse local. Ali, os devotos costumam entregar
flores, presentes historicamente associados a uma forma de agradar ao feminino.
Por isso, foram eleitas como um dos mimos preferidos de Iemanjá.”
Oferendas e agrados
“Nos terreiros de candomblé, várias oferendas são destinadas a
Iemanjá, como arroz branco cozido com leite de coco e milho branco de canjica
coberto com camarões fritos no azeite de oliva. Isso sem falar de champanhe,
pentes, perfumes e bonecas — já que ela também é conhecida pela vaidade e por
estar intimamente ligada ao universo feminino. Originalmente, Iemanjá, assim
como outras divindades, carregavam conchas de madrepérola que eram usadas para
refletir a luz do sol e cegar seus inimigos. No Brasil, isso foi substituído
pelo espelho, retratando mais uma das adaptações feitas por aqui.”
Devolução
“Na festa de Salvador, as oferendas são recebidas numa pequena casa
no Rio Vermelho, guardadas em grandes balaios enfeitados com tecidos coloridos,
fitas e flores. Ao final do dia, esses balaios são levados pelos pescadores até
o alto mar, onde muitos
Fonte Imagem: https://oglobo.globo.com/ela/gente/cultura-em-gente/iemanja-oito-curiosidades-sobre-historia-da-rainha-do-mar-24222250
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