terça-feira, 26 de julho de 2022

Iemanjá - a história da rainha do mar

Iemanjá em Copacabana Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

Dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar, como cantou Dorival Caymmi, em sua célebre homenagem à Iemanjá. Embora a divindade seja cultuada em diferentes épocas do ano pelo Brasil conforme as tradições locais, é nesta data que ela recebe as reverências mais famosas, sobretudo em Salvador, quando uma multidão de pessoas se dirige ao Bairro Rio Vermelho para enviar suas oferendas à Rainha do Mar.

No Rio, há festejos em várias regiões da cidade, mas uma cerimônia semelhante à da capital baiana se estabeleceu há mais de 20 anos com a Festa de Iemanjá no Arpoador, idealizada e organizada por William Vorhees. Segundo ele, o evento chegou a reunir mais de 3 mil pessoas em suas últimas edições. Hoje haverá mais uma. “Começamos às 14h e, no pôr do sol, levamos as oferendas ao mar”, avisa ele, que escolheu o dia 2 de fevereiro inspirado justamente pela música de Caymmi.

De olho na pauta ambiental, o festejo carioca prioriza flores e frutas entre as oferendas e até o barco que leva os presentes ao mar é feito de material orgânico. “Tentei trazer essa reverência para o nosso tempo. Não tem nada de plástico nem espelhinhos. E muitos participantes acompanham o envio dos presentes sobre stand up pedals”, complementa William.

Mas até chegar a essa versão, digamos, mais modernosa de sua festa, a divindade atravessou a História do Brasil, sofrendo uma série de alterações em sua figura. Desde que viajou pelos oceanos a partir do continente africano e aportou no país, ela teve sua imagem embranquecida pelo sincretismo religioso e as associações à Nossa Senhora. Com mais de 20 anos de pesquisa sobre Iemanjá, o babalorixá do candomblé Casa das Águas, Armando Vallado, que é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, tem se debruçado sobre a história dela e ajudado a entendê-la melhor, com os livros “Iemanjá, a grande mãe africana do Brasil” e “Iemanjá: mãe dos peixes, dos deuses, dos seres humanos”, ambos da editora Pallas. “Iemanjá é conhecida por todos, é cantada e festejada. Até mesmo os seguidores de outras religiões falam de seus poderes. Iemanjá é a grande mãe africana do Brasil”, diz ele, que nos ajuda a entender um pouco sobre a divindade a seguir.


O começo

“O culto de Iemanjá foi trazido para o Brasil pelos povos de origem iorubá, em fins do século XVIII até quase metade do século XIX. Na África, Iemanjá é divindade das águas doces, cultuada à beira do Rio Ogum. No Brasil, o culto transferiu-se para o mar, visto que rios e cachoeiras foram atribuídos a Oxum.”


2 de fevereiro

“A sincretização ocorre de maneira diversificada ao longo do território brasileiro, já que cada região cultua Nossa Senhora de uma maneira particular (em São Paulo e no Recife, por exemplo, Iemanjá foi fortemente associada à Nossa Senhora da Conceição e, por isso, é homenageada em 8 de dezembro). Em Salvador, ela é ligada à Nossa Senhora das Candeias, celebrada em 2 de fevereiro. Daí a festa mais antiga em louvor a Iemanjá no Brasil ocorrer justamente nessa data. Esta cerimônia encerra um ciclo de celebrações que começa em 4 de dezembro com a Festa de Iansã (sincretizada com Santa Barbara), seguida por Oxum em 8 de dezembro (associada à Nossa Senhora Conceição).”


Festa de Iemanjá no Rio Vermelho, Salvador, em 1989 Foto: Márcio Lima / Agência O Globo


Relação com o mar

“O nome Iemanjá (Yeye omo ejá, mãe dos filhos peixes) nos conduz à função materna e também como divindade protetora da pesca. Mas ela também aparece como guerreira e amante em outros mitos. No Brasil, ganhou a posição de grande mãe, perdendo as demais características, principalmente por conta de seu sincretismo com a Virgem Maria.”


Embranquecimento

“Com o fortalecimento do culto à Iemanjá, ela foi se aproximando mais e mais da Virgem Maria. Na Umbanda, nascida nos anos 1930, ela assumiu a figura de mulher branca, cabelos negros longos e lisos, usando um vestido azul claro (cor que aparece em Nossa Senhora), trazendo à cabeça um diadema com uma estrela. Na África e nos terreiros de candomblé brasileiros, onde o sincretismo não existe, segue sendo representada por uma figura com ancas largas e grandes seios que, simbolicamente, amamentam seus devotos.”


Filhos de Iemanjá

“A religião dos orixás ensina que cada pessoa pertence a uma divindade do panteão sagrado, de quem herda características físicas e de personalidade. Para descobrir esse pertencimento, consulta-se o oráculo de jogo de búzios. Dentro dos terreiros, pertencer a este ou aquele orixá significa ter suas características principais. Sendo assim, os filhos de Iemanjá são maternais, possessivos, ciumentos, dadivosos e rancorosos. Também são econômicos por natureza, mas adoram presentear os outros. São ainda dedicados, objetivos e sabem se colocar dentro de uma hierarquia. Como amantes são por vezes frios, calculistas e pensam unicamente em si mesmos, principalmente quando seus desejos não são atendidos. No entanto, idealizam para si uma relação perfeita, harmoniosa, em que devem ser amados e cobram por isso.”


O porquê das flores

“Desde que ela passou a ser vista como rainha das águas do mar, iniciou-se também o culto nesse local. Ali, os devotos costumam entregar flores, presentes historicamente associados a uma forma de agradar ao feminino. Por isso, foram eleitas como um dos mimos preferidos de Iemanjá.”


Oferendas e agrados

“Nos terreiros de candomblé, várias oferendas são destinadas a Iemanjá, como arroz branco cozido com leite de coco e milho branco de canjica coberto com camarões fritos no azeite de oliva. Isso sem falar de champanhe, pentes, perfumes e bonecas — já que ela também é conhecida pela vaidade e por estar intimamente ligada ao universo feminino. Originalmente, Iemanjá, assim como outras divindades, carregavam conchas de madrepérola que eram usadas para refletir a luz do sol e cegar seus inimigos. No Brasil, isso foi substituído pelo espelho, retratando mais uma das adaptações feitas por aqui.”


Imagem de Iemanjá no Mercadão de Madureira, no Rio Foto: Bruno Domingos / Reuters


Devolução

“Na festa de Salvador, as oferendas são recebidas numa pequena casa no Rio Vermelho, guardadas em grandes balaios enfeitados com tecidos coloridos, fitas e flores. Ao final do dia, esses balaios são levados pelos pescadores até o alto mar, onde muitos acreditam que Iemanjá irá receber os presentes, devolvendo o que não gostar à praia, na manhã seguinte.”



Texto extraído de: https://oglobo.globo.com/ela/gente/cultura-em-gente/iemanja-oito-curiosidades-sobre-historia-da-rainha-do-mar-24222250
Fonte Imagem: https://oglobo.globo.com/ela/gente/cultura-em-gente/iemanja-oito-curiosidades-sobre-historia-da-rainha-do-mar-24222250

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