Como viveriam Emília, Tia Nastácia, Dona Benta e outras personagens icônicas do
escritor Monteiro Lobato se vivessem na atualidade? Para a bisneta do autor,
Cleo Monteiro Lobato, o universo criado no Sítio do Picapau Amarelo seria mais
inclusivo e consciente. A escritora está prestes a lançar uma adaptação do
clássico centenário “A Menina do Narizinho Arrebitado”, onde trata com mais
delicadeza a forma como a personagem Tia Nastácia fora retratada na obra,
excluindo falas consideradas racistas.
Formada em
História pela USP, Cleo Monteiro Lobato diz que passou a sentir a necessidade
de apresentar as obras de seu bisavô para o público dos Estados Unidos, numa
tentativa de desmistificar alguns conceitos criados pelos americanos em relação
ao Brasil e aos brasileiros. Entretanto, deparou-se com algumas barreiras ao
traduzir a obra para o Inglês, e decidiu criar uma versão adaptada também para
o público no Brasil.
“Hoje em
dia, se você é uma pessoa negra e vai ler o livro para seu filho, você se
engasga. Ao traduzir para o inglês me vi defrontada aos problemas
culturais do Brasil, aí entendi o que é preconceito e racismo estrutural, foi
fundamental para a minha compreensão, sendo branca, do que é o racismo”,
esclarece Cleo.
Em um
comparativo entre Brasil e Estados Unidos, país que vive há mais de 20 anos,
Cleo alega que, apesar das diferenças intrínsecas, o momento que Brasil e os
Estados Unidos estão vivendo é muito parecido. “Para mim não dava mais. As
pessoas não podem simplesmente dizer que não são racistas, elas têm que se
posicionar como antirracistas”.
A escritora
explica que a essência da obra não foi modificada, e acredita que 98% do
material original foi mantido. Segundo a autora, as conotações que se referiam
à personagem Tia Nastácia foram alteradas, trazendo uma forma mais humana de
retratar a personagem, que é a cozinheira do sítio na obra original de seu
bisavô.
“Alterei algumas frases. Em vez de chamar a negra, a negra tem nome: Tia Nastácia. Em vez de dar risada com beiço, troquei. Se fosse um tratamento equivalente com a Dona Benta, eu deixava”, afirmou. “Acho que a minha versão é a versão que eu tinha dentro do meu coração. Com minha cabeça de criança a Tia Nastácia era amada, respeitada e acolhedora; eu mantive exatamente o que eu li, que acho que é o que Lobato escreveu”, complementou.
“Não vejo passagens racistas no
livro do meu avô”
A bisneta
garante que Monteiro Lobato não era racista e destaca a evolução na sociedade
como o principal fator para tais questionamentos. Segundo ela, porém, as obras
do escritor retratavam pontos que eram comuns àquela época, com uma linguagem
carinhosamente chamada pela autora como o “caipirês” do interior de São
Paulo.
“A
sociedade evoluiu, não vejo passagens racistas no livro do meu avô, acho
incrível que tenha ocorrido essa evolução da sociedade. O termo sinhá, o
bolinho de fubá eram do universo do interior paulista, o ‘caipirês’. O Monteiro
Lobato que sei como bisavô, como avô, como pai, não era racista. Os valores que
ele passou para filhos, netos e bisnetos não eram racistas”, disse.
A autora
destacou também que o próprio Monteiro Lobato realizava adaptações de suas
obras a cada nova edição.
“Tem a obra
original para ler. Quem quiser ler a de 1920 pode ler! Ele modificava a obra
dele, a cada nova edição ele modifica palavras, evoluía sem parar. As
pessoas que estão tão ofendidas, para mim, isso quer dizer que elas amam meu
bisavô e amam os livros, que a obra do Monteiro Lobato está dentro do coração
delas. Mas, a minha intenção é que Lobato seja lido pelas próximas gerações,
daqui a 80 ou 100 anos, sem ser associado ao racismo estrutural no
Brasil”.
Para a escritora Sonia Travasso, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em literatura infantil e juvenil, existe um grupo que não admite que a obra seja modificada em nada e outros grupos que consideram que é interessante mudar uma ou outra palavra, especialmente aquelas que trazem uma ideia de racismo, o que, para a educadora, não significa que Lobato era racista, pois utilizava termos que eram naturalizados naquela época.
“Uma das
editoras optou por colocar, quando há termos considerados estranhos ou termos
de antigamente, como nota de rodapé, a Emília e a Narizinho conversando e
comentando aquele termo, foi uma saída bem inteligente da Companhia das
Letrinhas”, afirmou a educadora.
Sonia
Travasso explica que, desde que a obra de Lobato caiu em domínio público,
diversos escritores e editoras vêm fazendo alterações. “Muitos acham que vale a
pena tirar estas palavras, para deixar o texto mais de acordo com debates e
questionamentos muito presentes na sociedade de hoje. Essas questões esbarram
muito na questão educacional, na mediação desta leitura que se faz na escola”,
diz.
A educadora
defende, entretanto, a importância em manter a essência da obra e dos
personagens. “Eu acredito que é importante a gente escrever o texto como o
autor escreve, na mediação da leitura na escola, e colocar em debate essas
questões que por vezes aparecem na obra de Monteiro Lobato. Mas, não vejo
problema em trocar alguns termos. Só acho que tem que tomar cuidado para não
adulterar a obra”.
Sonia usa
como exemplo a boneca falante Emília. “A Emília, por exemplo, ela é atrevida,
fala coisas erradas e agressivas às vezes, mas, se você tira tudo isso da
Emília, ela deixa de ser a Emília, tem que tomar cuidado nas adaptações com o
que tira, de forma que não adultere a obra. Acho importante que tenha um texto
de apresentação, explicando que ali é um texto de adaptação, mostrar o que foi
adaptado e porque foi adaptado desta forma, e que existe a forma original que
as pessoas podem ter acesso também”, concluiu.
https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/bisneta-de-monteiro-lobato-exclui-passagens-racistas-em-adaptacao-de-classico/
Fonte Imagem:
https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/bisneta-de-monteiro-lobato-exclui-passagens-racistas-em-adaptacao-de-classico/
https://lobato.com.vc/2021/03/historia-reescrita/
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