quarta-feira, 20 de julho de 2022

As provocações do Visconde de Sabugosa, um mergulho no reflexivo universo lobatiano


Presente na maioria das histórias do Sítio, o Visconde de Sabugosa, personagem criado por Monteiro Lobato, acredita-se que foi inspirado em seu avô, o Visconde de Tremembé, um dos homens mais ricos e poderosos de sua época, amigo pessoal de D. Pedro II. Ele foi inclusive responsável pela iluminação pública da cidade de Taubaté, na primeira metade do século XIX, entre outras coisas.

O Visconde de Sabugosa nasce em 1921, no livro Narizinho Arrebitado, edição escolar. Fruto de uma brincadeira de Narizinho e Pedrinho, que queriam casar a boneca Emília com o Marquês de Rabicó. Pedrinho faz um boneco a partir de um sabugo de milho, para fingir ser pai do leitãozinho, pretendente à mão da boneca de pano.

Esse heróico personagem lobatiano nasceu em meio aos livros e morava num vão de armário na sala de jantar do Sítio do Pica Pau Amarelo.  As paredes da casa eram formadas por dois grossos volumes do Dicionário Morais. A obra “O Banquete 2”, “escrito por um tal Platão que viveu antigamente na Grécia e devia ter sido um guloso”, era a mesa do sabugo de milho. A “Enciclopédia do Riso e da Galhofa”, um “livro muito antigo e danado para dar sono”  que Lobato lera na juventude, tornou-se a cama do Visconde. Os demais “móveis”, ou seja, cadeiras, estantes e armários, eram formados por livros de capa de couro, herdados de um tio de Dona Benta.

O sabugo só mudou de casa depois que voltou do Reino das Águas Claras e passou uma semana inteira atrás da estante, ficou embolorado e como soltava um pó verde, começou a dormir numa lata, como revela o autor na quarta história de Reinações de Narizinho.

Antes mesmo de se tornar um personagem com diversas facetas, o Visconde era considerado um fidalgo muito distinto, viúvo e sua mãe, Dona Palha de Milho, faleceu num “horrível desastre”, comida pela vaca mocha. Logo no começo em que ganha vida, ele ainda tinha o tamanho de um sabugo de milho, mas tomou uma pitada de fermento e ficou do tamanho de uma pessoa normal.

Como Narizinho o embrulhou num velho fascículo das Aventuras de Sherlock Holmes, em Reinações de Narizinho, parece que isso influenciou o sábio de tal maneira que ele foi o responsável por descobrir não só a verdadeira identidade do suposto Gato Félix, mas também quem roubava a sombra de tia Nastácia em Peter Pan!  O sabugo “andava deduzindo” os fatos, mas não tinha ainda pistas definitivas. Incansável, ele desmascarou o raptor da sombra, que era ninguém menos do que Emília.

Sua condição de sábio lhe trouxe bons e maus momentos. Ele sofreu acidentes, empanturrou-se com a leitura de Álgebra, foi operado e salvou-se. Sua ânsia pelo conhecimento fez dele o professor dedicado em Aritmética da Emília e seus estudos de Geologia permitiram que fosse perfurado o primeiro poço de petróleo do Brasil, em “O Poço do Visconde”. Em “Os 12 Trabalhos de Hércules”, última obra de Lobato, o sabugo aparece como a concretização do saber científico.

Pelo fato de ser “consertável”, ele é sempre escolhido por Pedrinho para fazer as coisas mais perigosas. Sempre que ele estraga, se machuca ou até morre, Tia Nastácia simplesmente pega uma nova espiga de milho no paiol e faz um outro Visconde ainda melhor, reaproveitando somente a cabeça, os braços e as pernas. Apesar disso, pelo fato dele ter seu corpo formado por um sabugo e ter botões de milho no peito, Visconde morre de medo de passar perto de uma galinha, ou mesmo da Vaca Mocha!

Quando investigamos o personagem, nos deparamos com as suas variadas facetas, bem como o movimento da ciência no Sítio do Pica-Pau Amarelo. À medida que nos aprofundamos na obra, é possível estabelecer relações entre as várias concepções científicas do autor e a construção do personagem, reflexos do contexto histórico na criação literária lobatiana.

Lobato era um homem fascinado pelo progresso que ele achava que a ciência poderia trazer e buscava em estudos científicos, respostas de como gerar progresso para o nosso país e para os problemas crônicos do Brasil. Ele acreditava que soluções baseadas em pesquisas científicas seriam muito importantes para o desenvolvimento da nossa sociedade.

Vários estudos discutem ainda hoje a relação da literatura lobatiana com o ensino de ciências, sobre a história e a natureza da ciência, a motivação para estudar ciência, o método científico, concepção empirista ou revolucionária da ciência e suas aplicações. A literatura de Monteiro Lobato mostra a importância que o autor dava às relações do homem com a ciência e se contrapunha à literatura infantil da época baseada nos contos de fadas europeus.

Através de sua obra e mais especificamente na forma do personagem Visconde de Sabugosa, Lobato deixa transparecer a importância alcançada pelo conhecimento científico, demonstrando através de seus textos a necessidade do apoio à pesquisa e ao estudo científico em um período em que concordam os maiores intelectuais da época, o Brasil se encontrava ‘doente’ e a ciência era uma espécie de ‘caminho para a salvação do povo’.

Voltando a falar do nosso personagem, o Visconde de Sabugosa é um sábio que estuda latim, que tem dificuldade para se locomover em algumas situações e possui como marca registrada a tossezinha para limpar o pigarro antes de dar uma explicação. É dele que vem sempre a última palavra, como exemplo de alguém que detém o conhecimento, por isso é chamado para esclarecer dúvidas e solucionar problemas.

Ao representar o homem de ciência no Sítio, Lobato nos passa a impressão de que havia um movimento constante em sua obra e nas suas histórias. O Visconde cria sempre de modo misterioso, às escondidas, carregando um ar de distinção, como se a ciência fosse para poucos, apenas para homens especiais.

Na forma de um sabugo de milho que morre e reaparece, o porta-voz da ciência talvez tenha sido mais um recurso literário que Lobato utilizou para provocar a todos os seus leitores num convite à reflexão sobre a relação do homem com a ciência e os seus valores já naquela época.

A análise da trajetória do personagem Visconde de Sabugosa presente na maioria dos livros, revela que o autor elabora suas histórias permeadas de fatos científicos, de saberes práticos e teóricos, de diálogos, situações e ambientes em que tal personagem e os demais se inserem.

O Visconde é um dos personagens que nos levam a mergulhar em uma das mais ricas obras literárias nacionais, onde os livros não são meros papéis manuseados por um tempo, fechados e esquecidos após o fim da leitura. São histórias que nos convidam a ir mais além, mais para dentro de nós mesmos, como um convite para que a gente perca o medo de imergir no nosso próprio mundo de fantasias.

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REFERÊNCIAS:

https://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_04.pdf

https://perguntaspopulares.com/library/artigo/read/411903-quem-e-o-visconde-de-sabugosa

https://sitio.pmvs.pt/blog/2014/07/03/visconde-de-sabugosa-2/

https://semeadordelivros.com.br/na-trilha-de-lobato-entre-a-serras/

https://super.abril.com.br/ciencia/a-longa-historia-da-eugenia/

http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1273252078_ARQUIVO_REIVINDICACAOPOLITICAECONHECIMENTOCIENTIFICO.pdf

https://www.scielo.br/j/epec/a/n3jym7tYqMMvM4gFfgqTkwv/?lang=pt



Texto extraído de: https://lobato.com.vc/2022/05/as-provocacoes-do-visconde-de-sabugosa-um-mergulho-no-reflexivo-universo-lobatiano/

Fonte Imagem: https://lobato.com.vc/2022/05/as-provocacoes-do-visconde-de-sabugosa-um-mergulho-no-reflexivo-universo-lobatiano/


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