O Visconde de Sabugosa nasce em
1921, no livro Narizinho Arrebitado, edição escolar. Fruto de uma brincadeira
de Narizinho e Pedrinho, que queriam casar a boneca Emília com o Marquês de
Rabicó. Pedrinho faz um boneco a partir de um sabugo de milho, para fingir ser
pai do leitãozinho, pretendente à mão da boneca de pano.
Esse heróico personagem lobatiano
nasceu em meio aos livros e morava num vão de armário na sala de jantar do
Sítio do Pica Pau Amarelo. As paredes da casa eram formadas por dois
grossos volumes do Dicionário Morais. A obra “O Banquete 2”, “escrito por um
tal Platão que viveu antigamente na Grécia e devia ter sido um guloso”, era a
mesa do sabugo de milho. A “Enciclopédia do Riso e da Galhofa”, um “livro muito
antigo e danado para dar sono” que Lobato lera na juventude, tornou-se a
cama do Visconde. Os demais “móveis”, ou seja, cadeiras, estantes e armários,
eram formados por livros de capa de couro, herdados de um tio de Dona Benta.
O sabugo só mudou de casa depois
que voltou do Reino das Águas Claras e passou uma semana inteira atrás da
estante, ficou embolorado e como soltava um pó verde, começou a dormir numa
lata, como revela o autor na quarta história de Reinações de Narizinho.
Antes mesmo de se tornar um
personagem com diversas facetas, o Visconde era considerado um fidalgo muito
distinto, viúvo e sua mãe, Dona Palha de Milho, faleceu num “horrível
desastre”, comida pela vaca mocha. Logo no começo em que ganha vida, ele ainda
tinha o tamanho de um sabugo de milho, mas tomou uma pitada de fermento e ficou
do tamanho de uma pessoa normal.
Como Narizinho o embrulhou num
velho fascículo das Aventuras de Sherlock Holmes, em Reinações de Narizinho,
parece que isso influenciou o sábio de tal maneira que ele foi o responsável
por descobrir não só a verdadeira identidade do suposto Gato Félix, mas também
quem roubava a sombra de tia Nastácia em Peter Pan! O sabugo “andava deduzindo”
os fatos, mas não tinha ainda pistas definitivas. Incansável, ele desmascarou o
raptor da sombra, que era ninguém menos do que Emília.
Sua condição de sábio lhe trouxe
bons e maus momentos. Ele sofreu acidentes, empanturrou-se com a leitura de
Álgebra, foi operado e salvou-se. Sua ânsia pelo conhecimento fez dele o
professor dedicado em Aritmética da Emília e seus estudos de Geologia permitiram
que fosse perfurado o primeiro poço de petróleo do Brasil, em “O Poço do
Visconde”. Em “Os 12 Trabalhos de Hércules”, última obra de Lobato, o sabugo
aparece como a concretização do saber científico.
Pelo fato de ser “consertável”,
ele é sempre escolhido por Pedrinho para fazer as coisas mais
perigosas. Sempre que ele estraga, se machuca ou até morre, Tia
Nastácia simplesmente pega uma nova espiga de milho no paiol e faz um
outro Visconde ainda melhor, reaproveitando somente a cabeça, os braços e as pernas.
Apesar disso, pelo fato dele ter seu corpo formado por um sabugo e ter botões
de milho no peito, Visconde morre de medo de passar perto de uma galinha, ou
mesmo da Vaca Mocha!
Quando investigamos o personagem,
nos deparamos com as suas variadas facetas, bem como o movimento da ciência no
Sítio do Pica-Pau Amarelo. À medida que nos aprofundamos na obra, é possível
estabelecer relações entre as várias concepções científicas do autor e a
construção do personagem, reflexos do contexto histórico na criação literária
lobatiana.
Lobato era um homem fascinado pelo
progresso que ele achava que a ciência poderia trazer e buscava em estudos
científicos, respostas de como gerar progresso para o nosso país e para os
problemas crônicos do Brasil. Ele acreditava que soluções baseadas em pesquisas
científicas seriam muito importantes para o desenvolvimento da nossa sociedade.
Vários estudos discutem ainda hoje
a relação da literatura lobatiana com o ensino de ciências, sobre a história e
a natureza da ciência, a motivação para estudar ciência, o método científico,
concepção empirista ou revolucionária da ciência e suas aplicações. A
literatura de Monteiro Lobato mostra a importância que o autor dava às relações
do homem com a ciência e se contrapunha à literatura infantil da época baseada
nos contos de fadas europeus.
Através de sua obra e mais
especificamente na forma do personagem Visconde de Sabugosa, Lobato deixa
transparecer a importância alcançada pelo conhecimento científico, demonstrando
através de seus textos a necessidade do apoio à pesquisa e ao estudo científico
em um período em que concordam os maiores intelectuais da época, o Brasil se
encontrava ‘doente’ e a ciência era uma espécie de ‘caminho para a salvação do
povo’.
Voltando a falar do nosso
personagem, o Visconde de Sabugosa é um sábio que estuda latim, que tem
dificuldade para se locomover em algumas situações e possui como marca
registrada a tossezinha para limpar o pigarro antes de dar uma explicação. É
dele que vem sempre a última palavra, como exemplo de alguém que detém o
conhecimento, por isso é chamado para esclarecer dúvidas e solucionar
problemas.
Ao representar o homem de ciência
no Sítio, Lobato nos passa a impressão de que havia um movimento constante em
sua obra e nas suas histórias. O Visconde cria sempre de modo misterioso, às
escondidas, carregando um ar de distinção, como se a ciência fosse para poucos,
apenas para homens especiais.
Na forma de um sabugo de milho que
morre e reaparece, o porta-voz da ciência talvez tenha sido mais um recurso
literário que Lobato utilizou para provocar a todos os seus leitores num
convite à reflexão sobre a relação do homem com a ciência e os seus valores já
naquela época.
A análise da trajetória do
personagem Visconde de Sabugosa presente na maioria dos livros, revela que o
autor elabora suas histórias permeadas de fatos científicos, de saberes
práticos e teóricos, de diálogos, situações e ambientes em que tal personagem e
os demais se inserem.
O Visconde é um dos personagens
que nos levam a mergulhar em uma das mais ricas obras literárias nacionais,
onde os livros não são meros papéis manuseados por um tempo, fechados e
esquecidos após o fim da leitura. São histórias que nos convidam a ir mais
além, mais para dentro de nós mesmos, como um convite para que a gente perca o
medo de imergir no nosso próprio mundo de fantasias.
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REFERÊNCIAS:
https://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_04.pdf
https://perguntaspopulares.com/library/artigo/read/411903-quem-e-o-visconde-de-sabugosa
https://sitio.pmvs.pt/blog/2014/07/03/visconde-de-sabugosa-2/
https://semeadordelivros.com.br/na-trilha-de-lobato-entre-a-serras/
https://super.abril.com.br/ciencia/a-longa-historia-da-eugenia/
https://www.scielo.br/j/epec/a/n3jym7tYqMMvM4gFfgqTkwv/?lang=pt
Texto extraído de: https://lobato.com.vc/2022/05/as-provocacoes-do-visconde-de-sabugosa-um-mergulho-no-reflexivo-universo-lobatiano/
Fonte Imagem: https://lobato.com.vc/2022/05/as-provocacoes-do-visconde-de-sabugosa-um-mergulho-no-reflexivo-universo-lobatiano/
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