domingo, 9 de maio de 2021

A Festa do Rosário do Serro e a complexidade da fé retratadas em livro

“O que não está escrito, o vento leva”. Foi pensando nessa sábia frase de sua mãe, Dona Lucinha, que a historiadora Márcia Clementino Nunes resolveu contar a história da fé de negros escravos em Nossa Senhora do Rosário. A santa faz parte de uma tradição cristã e branca, mas é considerada protetora dos pretos de Minas Gerais.



A narrativa construída pela historiadora explica a concretização de um antigo rito, a tricentenária Festa do Rosário, que hoje é patrimônio cultural da história de Minas e do Brasil. O livro Festa do Rosário do Serro ilustra a complexidade dessa fé, traduzida em danças, batidas de tambor, fantasias e música.
A comemoração, que surgiu como uma forma de resistência à escravidão, é um teatro que narra a história colonizadora do estado e do país. A tradição reúne catopês, caboclos e marujos, grupos que dançam por devoção a Nossa Senhora do Rosário.

 “Como um rio, o negro foi se adaptando e achando caminhos, até desaguar num mar de superação da tamanha desumanidade gerada pela escravidão”. A reflexão é da historiadora Márcia Clementino Nunes, que há mais de 30 anos investiga a complexidade de um dos festejos mais antigos do povo negro no Brasil. A pesquisa resultou em “Festa do Rosário do Serro”, que trata da celebração tricentenária na cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

Com 224 páginas, o livro ilustra em imagens e texto a fé dos negros escravos na Nossa Senhora do Rosário, santa de tradição cristã e branca, que se transformou em protetora dos pretos em Minas Gerais. “A historiografia trata a festa como uma expressão do negro que se adaptou ao sistema, que encontrou uma santa branca. Quando fui estudar história, fiquei me perguntando: ‘será que a festa tem algo mais a dizer que essa leitura de cima para baixo?’”, diz a serrana, ressaltando que o livro traz fotos de Miguel Aun. 

A partir daí, Nunes passou a pesquisar a representação teatral do festejo, que narra a história colonizadora de Minas e do Brasil. Nela, três grupos dançam pela devoção à santa – catopês, caboclos e marujos, representando negros, índios e brancos, etnias básicas da formação brasileira. 

“O negro escravizado foi apartado de sua terra natal e separado dela por um mar atlântico. Um caminho sem volta, cujas possibilidades eram apenas o suicídio, a fuga para os quilombos ou a adaptação”, explica. “Então, pelos que tentaram se adaptar, foi criado esse ritual complexo e maravilhoso, uma expressão da voz do escravizado”. 

Nunes destaca que, por meio de danças, tambores arcos e flechas, a Festa do Rosário retrata o mundo colonial em que os negros escravizados viviam – colocando-os, porém, como protagonistas. “É um ritual que recupera as estruturas sociais rompidas pela escravidão, recompondo simbolicamente famílias e costumes de uma forma subliminar e sutil, já que não havia outra saída”, afirma. “Sendo reis e rainhas, buscavam recuperar sua dignidade; dançando e batendo tambores retomavam suas estruturas culturais. É um modo de escape do desejo de ter a liberdade e a dignidade de volta”.



Texto extraído de:
https://ufmg.br/comunicacao/noticias/livro-registra-historia-e-tradicao-da-festa-de-nossa-senhora-do-rosario
https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/livro-revela-nuances-da-festa-do-ros%C3%A1rio-do-serro-lan%C3%A7amento-acontece-nesta-ter%C3%A7a-1.678156

 

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