Era uma vez... Essa expressão tem
o poder de transportar qualquer leitor do seu mundo para outro, o proposto pela
história. O livro traz mais de 50 histórias.
No prefácio da primeira
edição (1913) o autor fala do sentido epistemológico da obra destinada a alunos
e professores do primeiro e do segundo graus de ensino, isto é, ideias de como
o autor percebe a disciplina, servindo de subsídios para a compreensão, análise
e reflexão por parte dos professores que se dedicam ao ensino da História e que
estão preocupados com os seus resultados. Diz textualmente:
O plano do presente
livrinho começou a formar-se em nosso espírito, quando nos capacitamos de que é
nosso dever ensinar as crianças, sob forma pitoresca de contos, a história
retrospectiva desta grande porção do Brasil que é Minas Gerais. [...] Um povo
só pode ter consciência de sua nacionalidade, quando se orgulha de seu passado
e suas tradições. [...] A literatura infantil de contos da carochinha, de
histórias do outro mundo, de abusões e fantasmagoria é tudo quanto pode haver
de mais nocivo ao espírito das crianças. Fazem-nas supersticiosas, medrosas e
pusilânimes. A literatura infantil tem o dever de ser sadia e forte, de ser
nacional, local e regional.
É interessante notar que Carlos Góis publicou esse livro 16 anos antes do surgimento da Escola dos Analises de Marc Bloch e Lucien Febvre, em 1929. Em seu tempo estava em moda no Brasil o ideal positivista de narração historiográfica, isto é, textos engessados, duros e sem sabor. Queriam chegar a uma verdade absoluta. Por isso uns autores viviam contestando os outros. Marc Bloch tentando responder a um jovem a indagação de para que serve a historia, assim termina a resposta. Falei ao jovem:
Posso até não saber de sua real serventia! Só sei, que a estudo por que ela me causa um imenso prazer, o prazer de conhecer, o prazer do saber.” E no outro dia lhe levei estas sábias palavras de São Bernardo de Claraval, Sobre o cantar dos cantares, Sermão 36, III. “Há quem busque o saber pelo saber: é uma torpe curiosidade. Há quem busque o saber para se exibir: é uma torpe vaidade. Há quem busque o saber para vendê-lo: é um torpe tráfico. Mas há quem busque o saber para edificar, e isto é caridade. E há quem busque o saber para se edificar, e isto é prudência.
O livro “Histórias da terra mineira” tem uma sequência fatual muito fiel à cronologia que vai desde as primeiras expedições até a independência do Brasil. É um dos primeiros a valorizar a resistência negra nos quilombos, como o “Mártir Isidoro”, a arte dos mulatos e os trabalhos arqueológicos e paleontológicos de Doutor Peter Lund em Lagoa Santa.
Fernão Dias Paes Lema, o governador das esmeraldas e Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, são apresentados como homens estudados e preparados. Por isso não acreditaram nos mitos indígenas devoradores de homens brancos. Fernão Dias, da mesma forma que Ulisses, não acreditou na lenda de que Uiara habitante da lagoa do Vupabuçu atraia e devorava quem tentasse extrair as esmeraldas na Serra Resplandecente. Esse mito havia sido criado pelos índios para proteger a natureza no interior de seu habitat. Os índios de Goiás achavam que Anhanguera tinha poderes sobrenaturais ao vê-lo atirando com espingarda. Por isso, com medo retiraram-se das minas de ouro deixando-as à disposição dos portugueses. Mário de Andrade, na novela “Macunaíma: o herói sem nenhum caráter”, no final, por sua ignorância, o personagem é atraído por Uiara e acaba sendo devorado por ela. Carlos Góis, sabendo que os mitos são criados como o tempo, com as funções de explicar e caracterizar as comunidades, desde o início do livro mostra a necessidade de apagar ou anular os mitos antigos e medievais; depois os mitos da cultural indígena e finalmente, os mitos que contribuíam com a idéia de superioridade dos europeus sobre os brasileiros. Surgem os heróis nacionais: Felipe dos Santos, resistindo ao despotismo dos colonizadores; fugas heróicas dos escravos e formação dos quilombos; os inconfidentes e as mulheres que os acompanharam; Aleijadinho, e outros artistas; Chico Rei e sua corte de resistência pacífica.
A
historiografia positivista exige do historiador imparcialidade absoluta baseada
em documentos oficiais. Carlos Góis se baseia em fatos reais narrados em forma
literária. É bela a forma como ele conta as histórias. Podemos dizer que
“História da Terra Mineira” tem dois sentidos estéticos. A alegria e o prazer
do narrador que quer passar ao leitor a mesma satisfação. Para tal contou com a
excelente participação do artista plástico F Borgeti que confere dramaticidade
aos fatos. O narrador fala da satisfação do povo do Arraial do Tijuco com a
proclamação da independência. Enquanto uns davam vivas à liberdade e à
independência outros faziam uma fogueira e queimavam o livro da capa verde,
estatuto da cruel ditadura colonial, visualizado pelo expressivo desenho de
Borgeti.
Texto extraído de: http://meuslivrosdeliteraturaehistoria.blogspot.com/2018/05/historia-da-terra-mineira-de-carlos-gois.html
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