quarta-feira, 22 de junho de 2022

Interesse moderno pelo folclore: nação e cultura no Mapa Musical do Brasil da gravadora Marcus Pereira

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por debates acirrados no campo da chamada “Música Popular Brasileira”, que consolidava suas bases estética, ideológica e mercadológica. A MPB era então considerada um campo privilegiado para debates sobre a nacionalidade e a formação de uma cultura e de uma consciência nacionais modernas. Muita energia foi direcionada às tentativas de resolução de um “impasse” relativo aos caminhos de construção de uma canção capaz de traduzir e de mobilizar os brasileiros em torno de um projeto de nação. A incorporação por músicos e compositores brasileiros de elementos estéticos estrangeiros, sobretudo a influência de gêneros musicais norte-americanos como o jazz e o pop, era condenada por muitos como atitude alienante, e valorizada por outros como inovações fundamentais no desenvolvimento de uma “linha evolutiva”. 

Nesse contexto, a própria denominação desse gênero de música, com a dupla adjetivação de “popular” e “brasileira”, evidencia que a música midiatizada (formatada e difundida pela indústria fonográfica e do entretenimento) era considerada meio fundamental para mobilizar ideias e sentimentos de nacionalidade.

O presente trabalho versa sobre uma resposta construída a partir dessa tensão: o “Mapa Musical do Brasil”, um projeto de coleta, adaptação e mapeamento de gêneros musicais realizado pela gravadora Discos Marcus Pereira entre 1972 e 1976. Uma vez que a nação existe fundamentalmente enquanto representação, o interesse moderno pelo folclore enquanto “comunidade imaginada”, como diz Benedict Anderson (1989), apresento aqui uma análise da imagem de nação e da ideia de  nacionalidade brasileira articuladas na produção do Mapa.

“Mapa Musical do Brasil” foi o nome dado pela gravadora ao conjunto de quatro coleções de discos concebido entre 1972 e 1976: Música Popular do Nordeste (1972), Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste (1974), Música Popular do Sul (1975) e Música Popular do Norte (1976), cada uma contendo quatro Lps acompanhados por textos e fotografias.1 Vale ressaltar que as coleções não apresentam qualquer ilustração cartográfica, seja do território nacional ou das regiões em questão. O termo “mapa” sugere uma apreensão abrangente das manifestações culturais brasileiras divididas por regiões geográficas e acaba por vincular as noções de território e cultura, preciosas às ideologias nacionalistas.

O Mapa traz estilos musicais “tradicionais” ou “folclóricos” considerados representativos de uma cultura nacional “autêntica” e diversificada – como frevo, fandango, modinhas, moda de viola, samba, samba de roda, cirandas, folia de reis, folia do Divino, cantos de religiões afro-brasileiras, carimbó, bumba meu boi, boi-bumbá, variedades de poesia popular, milonga, cururu, catira, tambor de crioula etc. Uma parte disso é composta de gravações de músicos “folclóricos” das diversas regiões do país. A outra é de reinterpretações feitas em estúdio por intérpretes profissionais – como Nara Leão, Elis Regina, Quinteto Violado, Clementina de Jesus, Renato Teixeira e Papete.

A Discos Marcus Pereira, sediada em São Paulo, funcionou do final de 1973 a fevereiro de 1981, deixando um acervo de aproximadamente 140 títulos. Samba, choro, música erudita de compositores brasileiros, MPB e música “folclórica” integram quase a totalidade desse catálogo. Atenho-me aqui à análise dos processos de produção das coleções do Mapa, que tinham o propósito de sensibilizar os ouvintes para a criatividade musical do povo, visto como fonte criadora de uma cultura verdadeiramente nacional.

Download dos Discos Marcus Pereira:
http://armazemmemoria.com.br/discos-marcus-pereira/



Texto extraído de: http://journals.openedition.org/aa/297#tocto1n1



Nenhum comentário:

Postar um comentário