domingo, 3 de junho de 2018

História da Literatura Infanto-juvenil no Brasil



Monteiro Lobato - As obras de Monteiro Lobato para crianças marcam o início da literatura infanto-juvenil em prosa no Brasil. Em 1921, ele lança o primeiro livro da série do Sítio do Pica-Pau Amarelo, A Menina do Narizinho Arrebitado. A obra conta a história de uma garota que vive no sítio de sua avó, Dona Benta, e que se diverte com seu primo Pedrinho e seus brinquedos favoritos: um sabugo que fala, batizado de Visconde de Sabugosa, e uma boneca de pano chamada Emília, que aprende a falar graças às pílulas do Dr. Caramujo. Eles vivem as aventuras no Reino das Águas Claras, no qual Narizinho se casa com o Príncipe Escamado. Essa história é o início também da criação de um imaginário brasileiro na literatura e de uma nova noção de criança: questionadora, ativa e atuante enquanto ser social e político. O livro, em formato diferenciado, apresenta o texto acompanhado de ilustrações, enfatizando a função da imagem nos livros infantis, tendência então desconhecida no Brasil, proposta pela Nova Escola de pedagogia européia. Lobato, no decorrer de sua obra, mostrou-se preocupado em cunhar uma linguagem própria para a literatura infanto-juvenil brasileira, incluindo coloquialismos, neologismos e gírias. Deste modo, ele reveste de ritmo e originalidade os diálogos das personagens e a fala do narrador. Neste momento, Lobato constata: "Estou condenado a ser o Andersen desta terra". Ele escreve e reescreve sua obra literária infantil entre 1921 e 1942, ano em que encerra o processo, publicando suas obras completas, conforme o arranjo que conhecemos atualmente. Sua produção de literatura infantil é reflexo da tendência da infanto-juvenil: de caráter misto entre realismo e imaginação fantasiosa, porque mescla literatura com aprendizagem. Na concepção da época, as obras de Lobato eram lidas por crianças. Hoje, algumas delas são consideradas para adolescentes, como Os Doze Trabalhos de Hércules, O Minotauro, Hans Staden e Dom Quixote das Crianças. Inclui-se nesse rol as adaptações de Robinson Crusoé e Robin Hood. Uma vertente que dialoga com o passado é a retomada que faz dos contos folclóricos e fábulas em O Saci, Histórias da Tia Nastácia, O Sítio do Picapau Amarelo e Fábulas. E a adaptação que faz dos contos de Grimm, Andersen e de Caroll. Em 1942, o educador Lourenço Filho apresentou um balanço sobre a literatura infantil à venda naquele momento no Brasil. Constatou 605 trabalhos publicados, sendo 434 traduções, adaptações e mesmo grosseiras imitações; no total, 171 são obras originais de autores brasileiros. Lobato se encontra entre uma dezena de nomes que se dedicam às crianças junto a Francisco Marins, Malba Tahan e Viriato Correa. As décadas de 1950 e 1960 apresentam poucos grandes nomes que souberam manter a originalidade de Lobato, como as obras infantis de Erico Verissimo, Lucia Machado de Almeida, Vicente Guimarães e Orígenes Lessa. Eles se caracterizam por terem, com maior ou menor intensidade, realizado obras em que o imaginário e o lúdico encontram uma linguagem adequada para expressar-se, abordando temas históricos, ou de inspiração folclórica ou ainda criando aventuras originais.

A revista Recreio - A revista Recreio, publicada pela Editora Abril, foi a primeira e única revista infantil semanal dos anos 1970 produzida no país. A revista mantinha uma proposta literária e lúdica com um formato diferenciado. Cada número era dedicado a um tema de interesse do universo infantil, como o Zoológico e o Circo nos dois primeiros números. As brincadeiras de cortar e colar seguem a temática da história proposta. A revista foi coordenada por Sônia Robatto nos primeiros dez anos, quando apresentou novos nomes da literatura infantil como Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Joel Rufino dos Santos. Seus mais constantes ilustradores foram Canini, Waldyr Igayara, Izomar, Brasílio e César Sandoval. Nos dez anos seguintes, Ruth Rocha coordena a revista, que recebe um novo formato, inserindo em cada exemplar uma história ilustrada longa, reportagens, histórias em quadrinhos e brincadeiras. Nessa fase encontramos histórias com texto de Sylvia Orthof, Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos, Walcir Carrasco e Rogério Borges, narrativas visuais de Otávio, César Sandoval e Rogério Borges. E todas as histórias receberam e ilustrações de Walter Ono, Rogério Borges, Cláudia Scatamacchia, José Carlos de Brito, Adalberto Carnavaca, Alcy Linnares e Helena Alexandrino. Muitas das histórias publicadas nessa fase vieram a ser publicadas em livros infantis de grande sucesso mais tarde, como Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha, Camilo, o Comilão, de Ana Maria Machado, Joaquim e a Mesa de Botequim, de Sylvia Orthof, e Marinho, o Marinheiro, de Joel Rufino dos Santos. Recreio foi, portanto, a primeira publicação a registrar e a difundir para grande número de leitores o trabalho desses novos escritores que promoveram uma renovação nos textos de literatura infantil. Deu oportunidade a artistas para atuar como ilustradores, que, mais tarde, se tornaram os grandes nomes dos livros infantis, como Walter Ono, Helena Alexandrino, Cláudia Scatamacchia, José Carlos de Brito e Rogério Borges.

Ruth Rocha

 A renovação da literatura infantil - A Lei de Diretrizes e Bases, aprovada no começo da década de 1970, durante o regime militar, enfatiza a importância de textos literários e da educação artística no processo escolar ao incentivar a leitura de autores nacionais. Esse fato, se por um lado pôs em risco a leitura como fonte de prazer quando a escolha do professor recai sobre textos que não prendem a atenção da criança, por outro propiciou um clima favorável ao aparecimento de autores voltados para questões do lúdico, do imaginário, da linguagem inovadora e poética, com questões que vão do cotidiano a problemas atuais da realidade brasileira, instigando a noção crítica e a postura de reflexão diante da realidade. Essa lei favorece o ressurgimento da literatura infantil, que, segundo Ana Maria Machado, acompanha o lastro cultural deixado por Lobato, estimulando a nova geração de escritores de literatura infantil. Nos anos 1970, vigorava a ditadura militar, a que os autores da literatura infantil reagem, questionando a figura do ditador, simbolizada pelo rei autoritário que aparece em várias obras e exemplificada pela trilogia de Ruth Rocha: O Reizinho Mandão, Sapo Vira Sapo Vira Rei, O que os Olhos Não Vêem. Por sua vez, o tema da participação social democrática aparece em títulos de Ana Maria Machado, como em Bento que É Bento e É Frade e Praga de Unicórnio. Em 1969, Ziraldo, criador de personagens de revista em quadrinhos autenticamente nacionais, reunidos em Saci Pererê, publica Flicts, livro em que explora a fusão entre a linguagem verbal e as artes gráficas. Em 1970, o artista gráfico Juarez Machado introduz a narrativa exclusivamente visual em Ida e Volta e Domingo de Manhã. Nessas obras, verificam-se duas propostas inteligentes que buscam a participação do leitor na construção do texto verbal. Mas o tom geral da produção é o da contestação. O questionamento dos valores culturais do brasileiro leva os autores a escrever paródias dos contos de fadas, como fazem Ana Maria Machado, em História Meio ao Contrário, Fernanda Lopes de Almeida, em A Fada que Tinha Idéias, e Cora Rónai, em Sapomorfose. Esse questionamento aparece também na revisitação dos contos folclóricos brasileiros, procedida por Joel Rufino dos Santos, Sônia Robatto e Antonieta Dias de Morais, nas divertidas aventuras de Asdrúbal, o Terrível, de Elvira Vigna, e na discussão dos problemas existenciais, vividos pelas personagens de Lygia Bojunga Nunes, em, por exemplo, Os Colegas, Angélica e A Bolsa Amarela.

A diversidade de temas - Na década de 1980, novos autores se fazem presentes: Sylvia Orthof, que questiona papéis e valores sociais na sátira Mudanças no Galinheiro Mudam as Coisas por Inteiro e Uxa, Ora Fada, Ora Bruxa; Eva Furnari, criadora da personagem Bruxinha, que também se dedicou à narrativa visual nos livros Zuza e Arquimedes e Amendoim, gênero em que também se destaca Ângela Lago, autora de, entre outros, Chiquita Bacana. Tatiana Belinky apresenta histórias de humor, como Medroso, Medroso e A Operação do Tio Onofre, além de traduzir as coleções de poemas Di-versos Russos e Di-versos Hebraicos. Ricardo Azevedo, por sua vez, elege a literatura urbana em Um Homem no Sótão, e temática contestatória, em Nossa Rua Tem um Problema. Ciça Fittipaldi volta-se para as questões da cultura brasileira, com a Série Morená, coleção de histórias que trabalha a riqueza da linguagem indígena. A questão ecológica suscita algumas boas publicações, como a Coleção Acorda Bicho Homem, com textos de Luiz Galdino e Carlos Queiroz Telles. Rogério Andrade Barbosa dedica-se ao registro das fábulas africanas em Bichos da África e Contos ao Redor da Fogueira. A ficção científica fica por conta de Os Viajantes de Gleb e Tudo É Semente, de Rubens Matuck. A obra imaginativa fica por conta de Maria Heloisa Penteado em No Reino Perdido do Beleléu.

Anos 1990: tempo de recessão – O crescimento do número de obras estrangeiras traduzidas não impediu o aparecimento de novos autores, como Roger Mello, autor de Maria Teresa e Cavalhadas de Pirenópolis, em que recorre à arte popular para fazer uma leitura contemporânea de elementos perdidos da nossa identidade. Graça Lima dedica-se ao campo da narrativa visual, com Noite de Cão e Só Tenho Olhos pra Você, assim como Nelson Cruz em Leonardo e Noé. Leo Cunha volta-se à poesia em Cantigamente e Clave de Lua, e Celso Sisto à prosa intimista em O Beijo do Sol e Ver de Ver Meu Pai. A questão ecológica é abordada por Ângelo Machado na coleção Que Bicho Será? e por Bia Hetzel em Mati e Rita, a Orça e a Caiçara.

Anos 2000 – As obras traduzidas continuam tendo grande destaque nas estantes de literatura infantil das livrarias, assim como as versões impressas dos desenhos animados da Disney. Os grandes autores, no entanto, como Ana Maria Machado, Ziraldo, Ruth Rocha e Ângela Lago, entre outros, continuam produzindo. Aparecem algumas revelações, como Arthur Nestróvski, crítico e professor de literatura, vencedor do prêmio Jabuti de 2003 na categoria de melhor livro de ficção, com um livro de literatura infantil: Bichos Que Existem e Bichos Que Não Existem. Reginaldo Prandi, sociólogo e pesquisador da cultura afro-brasileira, também é uma das revelações, ao contar histórias iorubas para o público infantil em Ifá, o Adivinho. Além deles, Odilon Moraes, outro escritor novato, publica A Princesinha Medrosa, que ganha prêmio de melhor ilustração (do próprio Odilon) e melhor livro para criança, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, prêmio que divide com Bia Hetzel, por O Dono da Verdade. Roger Mello escreve Meninos do Mangue e é premiado com o Jabuti de 2002 e Nelson Cruz produz Chica e João, ganhador do Jabuti de 2001. Rogério de Andrade Barbosa entra na lista de honra do IBBY de 2002, com Duula, A Mulher Canibal – Um Conto Africano. Para as crianças muito pequenas, o destaque é para o casal Mary e Eliardo França.

A literatura juvenil - Temas como identidade, aventura, suspense, romance, histórias de capa e espada, mistério, biografia, conflitos familiares e diário sempre foram de interesse do público adolescente, antes mesmo de ele ser nomeado como um público específico. Somente após a II Guerra Mundial, a juventude passou gradativamente a ser foco de atenção. A contracultura dos anos 1960 acentuou muito essa tendência. Hoje em dia ser jovem é algo a ser preservado e valorizado. E a mídia descobriu os jovens enquanto consumidores. Baseados nesse novo conceito, a literatura também estabelece um nicho no mercado, intitulando-o Literatura Juvenil. O adolescente que vive um período de autodefinição, de busca de identidade e do delineamento da personalidade procura nos livros e no mundo respostas às suas indagações. Entretanto, até os anos 1950, a leitura dos jovens era pautada por eles mesmos, quando elegiam autores que trabalhavam temas sociais, aventura, suspense, romance, mistério e terror, dedicando-se à leitura das obras de Charles Dickens, Jack London, Karl May, Jules Verne, Robert Louis Stevenson, J. D. Salinger, Hemingway, Kafka, Mary Shelley e outros. E incluindo entre as leituras, autores brasileiros, como Lobato, Malba Tahan, José Lins do Rego, Viriato Correia, Lucia Machado de Almeida, Francisco Marins, Fernando Sabino, Jorge Amado e Maria José Dupré.

A década de 1970 proporciona um aumento de publicações dirigidas aos adolescentes. As editoras relançam autores clássicos, estrangeiros e brasileiros, e novos autores, como João Carlos Marinho, com a Turma do Gordo, que aborda temas polêmicos até os anos 1990, e Edy Lima, com a série da Vaca Voadora. Ambos abordam o humor de forma inteligente e divertida. Outro escritor que une humor e imaginação é Orígenes Lessa. Marcos Rey, Stella Carr Ribeiro, Luis Galdino, Odette de Barros Mott e Ganymédes José preferem a temática da aventura e do mistério, que garante grandes tiragens. Destacam-se no romance mais intimista, que trata da adolescência feminina, Giselda Laporta Nicodélis e Antonieta Dias de Morais. Por sua vez, José Mauro de Vasconcellos responde pelo romance dramático, com Meu Pé de Laranja Lima, entre outros.

A literatura para os adolescentes – Na década de 1980, produz-se grande quantidade de obras do gênero "diário íntimo", enfocando diversos aspectos da vida dos adolescentes. Investem nessa linha os escritores Álvaro Cardoso Gomes, Luiz Antonio Aguiar, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Ronald Claver, Vivina de Assis Viana e Sylvia Orthof. Essa é, porém, a fase da diversidade de temas, estilos e abordagens. Dedicam-se a essa diversidade autores de grande imaginação, como Lygia Bojunga Nunes, Eliane Ganem, Marina Colasanti, Lino de Albergaria, Mirna Pinsky, Leila Reintróia Ianonne e Liliana Iacocca. Nessa década ainda são publicados romances de denúncia social, com
destaque para autores como Sérgio Caparelli, Charles Kiefer e Sonia Rodrigues Motta. Destaca-se ainda a narrativa de questionamento da cultura indígena na América Latina, como propõe Ana Maria Machado, em De Olho nas Penas, que recebeu o Prêmio Casa de Las Américas em, 1980.

Temáticas urbanas - Nos anos 1990, os romances de temática urbana apresentam o ponto de vista do adolescente diante das mudanças de seu papel social e do próprio ambiente urbano. Ricardo Azevedo, Marcelo Carneiro da Cunha e Toni Brandão voltam-se a essas questões. Há os romances intimistas, que tratam de conflitos emocionais sérios, de que são exemplo as obras de Ana Maria Machado, como Bisa Bia Bisa Bel, Bartolomeu Campos Queirós, como Em Nome do Pai, e Lygia Bojunga Nunes, em Tchau. Há romances que inserem a nova concepção de mulher, família e relacionamento, como faz Sylvia Orthof em obras como O Livro que Ninguém Vai Ler, Vera Dias em Ninguém Tira Esse Sorriso de Mim, Fanny Abramovith, em Roda Mundo; e os de problematização política e social, exemplificados pela obra de Renato Tapajós, Os Carapintadas, e pela Coleção As Aventuras de Ivo Cotoxó, de Paulo Rangel. A prosa detetivesca cresce em qualidade literária com o trabalho de Paulo Rangel, em Assassinato do Conto Policial. A fertilidade da literatura infanto-juvenil brasileira e a qualidade dos livros e autores ficaram testemunhadas e comprovadas com o galardão conferido a Ana Maria Machado, contemplada, em 2000, com o Prêmio Hans Christian Andersen pelo conjunto de sua obra.

Anos 2000 - Os fenômenos Harry Potter e Artemis Fowl roubam a cena da literatura infanto-juvenil. A exibição da trilogia de O Senhor dos Anéis no cinema também voltou a despertar interesse sobre o livro de J.R.R.Tolkien, que ganhou novas edições. Uma marca do período é a estréia de escritores já conceituados se voltando para o público juvenil, como Luis Fernando Verissimo, com O Santinho, José Roberto Torero, com Uma História de Futebol, e Carlos Heitor Cony, adaptando Alexandre Dumas em O Máscara de Ferro. Têm destaque, ainda, novos escritores, como Adriana Falcão, autora de Luna Clara e Apolo Onze, que dividiu o prêmio de melhor livro para jovens da Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil com Fernando Vaz, autor de Mohamed: Um Menino Afegão. Além deles, Joel Rufino dos Santos é muito bem avaliado por Quando Eu Voltei, Tive uma Surpresa. Fábulas do Amor Distante, de Marco Túlio Costa, e Contos de Enganar a Morte, de Ricardo Azevedo, conquistam os primeiros lugares do Jabuti de 2004.




Fonte: ALMAMANQUE ABRIL - 2005. São Paulo: Editora Abril, 2005.
Fonte Imagem na ordem sequencial da apresentação:
(01) -
(02) http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/leitura-nao-pode-ser-so-folia-423575.shtml


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