terça-feira, 5 de junho de 2018

História da Música Brasileira



Século XVI-XVIII – Um universo bastante rico surge com as contribuições musicais das diversas etnias que compõem o povo brasileiro. Os colonizadores portugueses trazem a tradição das peças eruditas européias, um acervo de cantigas populares, além do som das fanfarras militares dos regimentos do exército que aqui se alojaram. Há também influências da música sacra, trazida pelas várias missões católicas. Os escravos africanos mantêm a música marcada por uma forte energia rítmica e percussiva em seus ritos religiosos. Os povos indígenas, por sua vez, a praticam ligada a cerimônias significativas no cotidiano da vida tribal.

1750-1850 – Modinhas e Serenatas - O predomínio dos elementos portugueses, africanos e indígenas faz surgir nas cidades duas formas musicais que podem ser consideradas ancestrais da música popular brasileira: o lundu e a modinha. A modinha, gênero que aparece quase simultaneamente em Portugal e no Brasil, é uma forma inspirada nas árias de óperas européias com um tratamento simples e leve. Aborda temas amorosos por meio de uma música delicada, de caráter melancólico, que manifesta em seus versos pomposos uma pretensão de eruditismo. O lundu é uma canção originada nas danças africanas, que tem, por isso, um caráter rítmico, cadenciado e um sentido mais sensual. As duas formas estão relacionadas ao ambiente urbano e são executadas nas serenatas e em casas de família de classe média. Os músicos, conhecidos como modinheiros, são quase sempre poetas. Entre os mais famosos se destacam Domingos Caldas Barbosa, Xisto Bahia e Castro Alves.

1850-1900 - Choro Animado – Desponta no Rio de Janeiro uma geração de compositores populares da classe média. Eles compõem para o teatro de revista, sob a influência dos gêneros europeus de dança de salão (como a polca, a mazurca e a valsa), da modinha e do lundu. Trabalham com o choro – termo que ainda não define um gênero de música, e sim grupos instrumentais populares que tocam à base de muita improvisação e virtuosismo. Em 1899, Chiquinha Gonzaga compõe Abre Alas, a primeira marcha carnavalesca. Com suas 77 peças teatrais e mais de 2 mil partituras, ela exerce influência significativa na consolidação da música popular brasileira. Outros compositores importantes são Ernesto Nazaré este também muito influenciado pela música erudita européia) e Patápio Silva.

Choro ou Chorinho – Este gênero eminentemente instrumental da MPB é executado por grupos entrosados em uma prática que incorpora a "levada" rítmica do samba numa forma musical estruturada, na maioria das vezes, em três partes intercaladas (AABBACCA). As linhas melódicas, que se baseiam em figuras rápidas e ágeis, e o acompanhamento harmônico exigem grande perícia dos executantes, que devem improvisar em diálogos e contrapontos por vezes vertiginosos. A composição instrumental básica gira em torno de um instrumento de sopro – geralmente a flauta – ou de um bandolim; de um cavaquinho ou um violão de harmonia; de um de baixaria – violão de sete cordas que desempenha o papel de baixo, tocando os sons graves do conjunto –; e de um pandeiro.

1901-1910 – O aparecimento das gravações mecânicas possibilita a veiculação inédita do trabalho de compositores que vão surgindo na classe média e que se servem da tradição folclórica popular como fonte para suas obras. Um exemplo é o cantor, poeta e músico Catulo da Paixão Cearense, autor de O Luar do Sertão, que desenvolve um trabalho ligado às raízes sertanejas. Também são criadas as condições para a origem do samba. De um lado, os negros pobres – recém-libertos, moradores de cortiços no Rio de Janeiro – continuam exercitando seus batuques e rodas de capoeira. De outro, acontecem os pagodes nas célebres festas nas casas das tias baianas (a mais famosa é a
Tia Ciata), depois dos ritos de devoção aos orixás. O Carnaval cresce em importância e incorpora os desordenados blocos dos negros, com suas batucadas, e os ranchos organizados pelos mestiços, que se agrupam em corporações profissionais nas quais se desenvolve a marcha-rancho.

1917 - Nasce oficialmente o Samba – Donga (Ernesto dos Santos) registra o samba carnavalesco Pelo Telefone. Apesar de estar musicalmente mais próxima de um maxixe, a composição marca, ao mesmo tempo, o começo da profissionalização na música popular e o nascimento oficial do samba. Também é de 1917 a primeira gravação de uma canção de Pixinguinha, um dos mais importantes compositores populares do país, tanto de canções como de música instrumental. Ele estabelece as bases da música popular, particularmente do choro, e dá início a uma linguagem orquestral brasileira. Outros nomes ligados à criação e ao amadurecimento do samba são Caninha (João Lins de Moraes) e João da Baiana (João Machado Guedes).

Décadas de 20 e 30 - A Era do Rádio – Dá-se a estruturação do samba – até então muito ligado musicalmente ao maxixe – e consolidam-se as bases para praticamente todos os outros movimentos musicais. O aparecimento e a grande expansão do rádio possibilitam o surgimento dos primeiros ídolos populares. São inúmeros os compositores e intérpretes que despontam nesse período. Sinhô (1888-1930), o rei do samba; Ismael Silva, que dá forma definitiva ao gênero; Ary Barroso, dono de uma enorme obra e inventor do samba-exaltação, autor de Aquarela do Brasil, uma das mais famosas músicas populares; Lamartine Babo, criador de marchas carnavalescas, como O Teu Cabelo Não Nega; Lupicínio Rodrigues, o compositor das grandes dores de amor; e ainda Dorival Caymmi, músico emblemático da Bahia. Noel Rosa, conhecido como poeta da Vila (por ter nascido em Vila Isabel, no Rio de Janeiro), traz maior complexidade para a música popular. Letrista habilidoso, recria o cotidiano de maneira precisa e densa, registrando nos sambas todos os seus amores. Os primeiros ídolos nacionais do rádio, no entanto, são intérpretes, como Carmen Miranda, Francisco Alves e Mário Reis.

Década de 40 - Música de Raiz – O impacto da II Guerra Mundial causa uma sensível diminuição no espaço destinado à música nas emissoras de rádio, e o gênero popular se ressente em qualidade e quantidade. Com o fim da guerra, em 1945, o cinema, a TV e a música norte-americana invadem o mundo e também o Brasil. No ano seguinte é lançado Baião, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, que marca o aparecimento de um estilo com sólidas raízes no folclore rural nordestino. A partir daí, uma série de canções, como Asa Branca, Paraíba e Assum Preto, consolida o sucesso de Luiz Gonzaga. Suas músicas agradam à população que foi para as cidades, geralmente fugindo do flagelo da seca.É uma abertura para um rico universo rítmico, que ainda é utilizado por músicos contemporâneos.

Década de 1950 - Baião e Bossa Nova – O prestígio de Luiz Gonzaga abre caminho para muitos outros que dão continuidade ao movimento de agregar ao sul a rica musicalidade do Nordeste. O baião, o coco, o xaxado e o arrasta-pé são apenas alguns dos ritmos trazidos por artistas como Jackson do Pandeiro e Alvarenga e Ranchinho. Enquanto, de um lado, se firma o baião, de outro aparece o samba-canção, como uma expressão mais adequada à década, caracterizada pela melancolia do pós-guerra. Esse samba mais lento, suave e com orquestração sofisticada logo se torna um modismo e aponta para o surgimento da bossa nova. Sua temática gira, quase sempre, em torno de grandes decepções amorosas. Antônio Maria e Dolores Duran, como compositores, e uma infinidade de intérpretes, como Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Angela Maria e Caubi Peixoto, consolidam seu sucesso nessa época, que é marcada pelo apogeu do rádio.

1958 – A crescente suavização rítmica e a introdução de harmonias mais sofisticadas ao samba, iniciada com o samba-canção, contribuem para o aparecimento da bossa nova. O marco é o lançamento do disco Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso. Nele atuam juntos em diversas canções, em especial em Chega de Saudade, os três personagens mais importantes do movimento: Tom Jobim, Vinicius de Moraes (como letrista) e João Gilberto – este último cria um estilo muito pessoal de acompanhamento ao violão que incorpora alterações de acordes influenciadas pelo jazz. Outras características do movimento são a expansão dos recursos harmônicos e a atitude introspectiva e sofisticada dos músicos.

Década de 1960 – Alguns músicos antes ligados à bossa nova reagem à alienação política desse gênero musical e ao excessivo domínio do jazz, iniciando um movimento de revalorização do samba tradicional e da temática dos morros. Nara Leão, até então a musa da bossa nova, reabilita e grava músicas de Cartola e Nelson Cavaquinho, a partir de 1964.

1965 - A Era dos Festivais – A TV Excelsior organiza o primeiro Festival de Música Popular Brasileira. Em 1966 e 1967 são realizados outros dois pela TV Record. Esses festivais lançam nomes como Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento e Elis Regina. Com o crescente poder de comunicação da televisão, esses artistas se tornam conhecidos em todo o país. Como reação ao agravamento da repressão política e da censura, aumenta a importância da canção de protesto. Estréia o programa musical Jovem Guarda, na TV Record. Seu nome passa a ser associado a um movimento que pretende contrapor-se à velha-guarda – cantores anterioresà chegada do rock no Brasil. Sua música é uma variação suavizada do rock e recebe o nome de iê-iê-iê. As letras, românticas e descontraídas, agradam ao público adolescente. Os principais membros da jovem guarda são Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.

1967-1968 – O Tropicalismo surge no Festival da Record, com os compositores baianos Caetano Veloso (concorrendo com Alegria, Alegria) e Gilberto Gil (com Domingo no Parque). Os arranjos, incluindo as guitarras herdadas da jovem-guarda, causam polêmica junto aos músicos e ao público nacionalistas. O disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis (1968), com a presença de Tom Zé, Gal Costa, Mutantes, Nara Leão e do maestro Rogério Duprat, traz referências desde o trágico Vicente Celestino (1894-1968) até o rock e a bossa nova e suscita uma importante discussão sobre o relacionamento entre as formas supostamente "puras" da música brasileira e as influências do pop internacional. De maneira menos ideológica, Jorge Ben, trabalhando com o trio Mocotó, toca na mesma questão ao fundir as batidas do rock e do samba; Tim Maia mescla funk e baião.

Década de 1970 - Diversidade Musical – Compositores e intérpretes de várias partes do país consolidam o sucesso nos grandes centros urbanos. Gal Costa e a irmã de Caetano Veloso, Maria Bethânia, firmam-se entre as cantoras de maior prestígio. De Alagoas vem Djavan; do Pará, Fafá de Belém; do Ceará, Belchior, Fagner e Ednardo; de Pernambuco, Alceu Valença; da Paraíba, Zé Ramalho e Elba Ramalho; da Bahia, os Novos Baianos; do Rio de Janeiro, Luiz Melodia, Beth Carvalho e Luiz Gonzaga Júnior (Gonzaguinha); de Sâo Paulo, Guilherme Arantes; de Minas Gerais, músicos que se ligam a Milton Nascimento, como Beto Guedes, Wagner Tiso, Toninho Horta e Lô Borges, formando o Clube da Esquina. No samba sobressaem Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Clementina de Jesus, Ivone Lara, João Bosco e Aldir Blanc. Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia e Clara Nunes firmam-se como as cantoras de maior prestígio. No rock destaca-se o trabalho de Raul Seixas e de Rita Lee, que, separada dos Mutantes, faz seus primeiros trabalhos-solo. Destacam-se Erasmo Carlos e sua Cia. Paulista de Rock, Made in Brazil, Casa das Máquinas, O Terço (RJ) e Almôndegas (RS). Nesse período, a banda paulistana Secos & Molhados ganha notoriedade. Os tropicalistas, Roberto e Erasmo Carlos, Tim Maia e Jorge Ben, mais tarde Ben Jor, seguem na sua desinibida construção de um som pop nacional. Nomes como o paulista Walter Franco e os cariocas Jorge Mautner e Jards Macalé (um dos principais arranjadores do Tropicalismo) ficam conhecidos como "os malditos", ao fazer um som denso, urbano e com elementos musicais e poéticos inusitados. Nessa década acontecem também importantes festivais de jazz, que abrem caminho para a música instrumental.

MÚSICA INSTRUMENTAL – Com origem nos grupos de choro, nas corporações de profissionais e nas bandas militares, a música instrumental brasileira tem raízes no rico universo rítmico folclórico do país. A isso se alia a influência do jazz, incluindo a improvisação, e da música erudita. Na década de 1970 surge uma produção instrumental de alta qualidade em várias regiões, que incorpora os diferentes sotaques locais. Um grande número dos músicos que se destacam a partir daí fez importantes trabalhos com cantores e compositores de canção. Esse é o caso de César Camargo Mariano, com seus arranjos para Elis Regina, e de Wagner Tiso, que acompanhou Milton Nascimento. Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti fizeram o caminho inverso, o primeiro acompanhando o cantor de protesto Geraldo Vandré e o segundo gravando inicialmente uma discografia cantada. Mesmo não sendo comercialmente muito divulgada, a música instrumental brasileira é respeitada no mundo inteiro.

1980-1983 – O rock, o punk, a new wave e suas diversas ramificações pop dominam o mercado fonográfico internacional e são assimilados com extrema rapidez no Brasil. O país segue rapidamente a principal mensagem desse revolucionário e libertário período, contida na proposta musical punk: a de que qualquer um, literalmente, poderia formar uma banda e tocar apenas certos acordes. É o "faça-você-mesmo". Essas formas musicais, diretamente decalcadas de modelos estrangeiros (notadamente ingleses e norte-americanos), esfriam as tentativas de constituir uma música pop com características brasileiras.

1984-1989 – Os grandes nomes da MPB dos anos 1970 vendem menos nos anos 80, e alguns artistas desaparecem do cenário musical. Paralelamente surge um movimento com outros nomes ligados à estética da MPB, chamado de vanguarda paulistana, que mantém trabalhos esparsos nos anos 1990. A modificação fundamental no panorama da música popular brasileira é a transformação do rock nacional num fenômeno comercial bastante significativo, com o surgimento de uma nova safra de ídolos. Nasce assim uma consistente produção underground nacional, principalmente em São Paulo e com menor força no Rio de Janeiro. Várias delas continuam a criar uma obra relevante nos anos 1990, como Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Kid Abelha, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho, da qual mais tarde sai o vocalista Cazuza para uma destacada carreira-solo. Individualmente, aparecem trabalhos de artistas como Lobão, Ritchie, Leo Jaime, Eduardo Dusek, Kiko Zambianchi, Marina Lima e Lulu Santos. Rita Lee e Raul Seixas continuam a produzir. O rock domina o panorama musical brasileiro quase até o fiml da década, quando uma renovada produção começa a estabelecer parâmetros musicais genuinamente nacionais e populares, abrindo outro cenário para a década de 1990.




Fonte:
ALMAMANQUE ABRIL - 2005. São Paulo: Editora Abril, 2005.
ALMAMANQUE ABRIL - 2012. São Paulo: Editora Abril, 2012.

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