domingo, 26 de julho de 2020

Gracias, Mercedes, "que nos ha dado tanto"

Por Paulo Vinícius

Duas das figuras que mais contribuíram para que eu me tornasse um internacionalista e pudesse me encontrar com a América Latina foram Mercedes Sosa e Pablo Neruda. Este pela prosa poética vertida em Confesso que Vivi, e aquela, "la negra", por tudo de arrebatador e pungente que há em seu repertório irretocável.




Como se hoje fora, recordo da saudade que senti de Neruda – estranha nostalgia de quem não se conheceu, lastreada em poesia. Tal sentimento se intensificou ao ouvir na voz de Mercedes Sosa os zambas, chacareras, os versos de justiça e amor, voando pelo espaço aninhados naquela voz vibrante, forte, inconfundível.
Foi assim, exposto a esta dupla influência que me vi repentinamente órfão da América Latina, lastimando-me por não a ter conhecido antes, inconformado e intrigado ante o paradoxo em que a proximidade geográfica não se faz amizade, conhecimento mútuo, identidade. E desde então isso mudou a maneira como me situava no mundo. Descobrira-me, malgrado tanto lixo que se nos empurra, enfim, latino-americano.
E o que Mercedes Sosa cantou me ensinou tanto! Meu portunhol bem ajambrado foi aprendido com ela, cantando e entendendo a rebeldia e o amor, a ânsia por justiça e a grandiosidade com que aquela tucumana afirmava nossa origem comum, nossa irmandade de história, povo e sonhos.
Ela dizia a simplesmente e dura realidade, que "a esta hora exatamente há uma criança na rua". Reinventou a geografia ao afirmar que "um verde Brasil beija meu Chile de cobre e mineral". Lembrou-nos em meio a tantas vicissitudes que "tudo muda e mudarmos não é estranho" ainda que "não mude meu amor por mais distante que eu esteja, nem a lembrança nem a dor do meu povo, da minha gente". Ademais, com os versos de Atahualpa Yupanqui, definiu para mim a amizade, ao mostrar-nos que temos "tantos irmãos que nem os podemos contar/, no bairro, na montanha/, no pampa e no mar/ cada qual com seu trabalho, com seus sonhos cada qual/ com a esperança adiante e as recordações lá de trás", "tenho tantos irmãos que nem os posso contar e uma irmã muito linda que se chama liberdade".
Versos assim se cravam no peito se os canta como ela cantava, ao clamar às massas empobrecidas, "irmão, dá-me a mão, venha comigo buscar esta coisa pequenina que se chama liberdade. Esta é a hora primeira e este é o justo lugar, em que com tua mão e a minha, irmão, havemos de começar. Olha adiante irmão, tua terra que te espera, sem distâncias nem fronteiras que a afastem de tua mão, sem distâncias nem fronteiras, nesta hora primeira em que o punho americano marque o rosto dos tiranos e a dor enfim vá embora".
Por tudo isto, quando ela veio a Brasília em 2008, senti que enfim chegava a oportunidade – que até desacreditava – de ouvi-la ao vivo, oportunidade que provavelmente fosse a última. E foi como um reencontro, essa sintonia tão estranha de fã, quando a ouvi erguer-se por cima da evidente fragilidade física pelas palavras de carinho e a voz inacreditável que venceu o tempo. E do meu lugar no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, depois de ir ao Chile, Cuba, Paraguai, Bolívia, Nicarágua e Venezuela, depois de ver os ventos de mudanças tão ansiados em seus versos se fazerem realidade, pude ouvi-la frente a frente, a dizer tão bem do Brasil, de nosso povo, cantando nossa música, aquela irmã argentina a declarar um amor tão sincero ao nosso país. Não foi em vão.
E agora que ela partiu, em paz consigo e com seus sonhos de uma intimorata e bela América Latina, não posso pranteá-la, apenas. Tenho na verdade é de lhes sugerir o único tributo verdadeiro para uma pessoa que dizia que "se cala o cantor, cala-se a vida, porque a vida, a vida mesma é toda um canto". Não podemos é permitir-nos não ouvi-la, pois assim permanece viva, tão necessária que é a iluminar os caminhos singulares em que a arte nos faz entender com uma profundidade total esta irmandade latino-americana, este amor aos oprimidos e o ódio às injustiças.
Conheçam Mercedes Sosa e partilhem do legado caudaloso de sua obra, das lições e do prazer de ouvi-la cantar, da poesia tão bem escolhida por uma intérprete que sabia o que dizer à mente e ao coração, uma irmã tucumana, argentina, latino-americana que, como a vida, pôde nos dar tanto.


Fonte: https://vermelho.org.br/coluna/gracias-mercedes-que-nos-ha-dado-tanto/
Fonte da Figura: https://www.youtube.com/watch?v=f59-ecN2FYg



domingo, 19 de julho de 2020

O canto latino-americano do Tarancón - Discografia



Pioneiro em mesclar música popular brasileira com a latino-americana, o Grupo Tarancón iniciou sua trajetória no inicio da década de 1970 e até hoje mantém seu principal meio de comunicação: O “boca a boca”.


Mesclar os sons de Violeta Parra e Chico César, de Atahualpa Yupanqui e Marlui Miranda, misturar chacareras argentinas, xotes, baião, bailecitos bolivianos, guarânias e huaynos peruanos, guajiras centro-americanas, rumbas, afoxés, são a marca do Tarancón junto com seu instrumental.


O grupo é composto de artistas de vários países da América Latina. Fundada na década de 1970, participou de alguns festivais. Sua música é influenciada por ritmos brasileiros, andinos,caribenhos e africanos.

O nome do grupo, Tarancón, era também o nome de uma mina de carvão na Astúrias, Espanha, que desabou, ocasionando a morte de onze trabalhadores (história contada na canção “En la mina el tarancón”).


Unindo instrumentos originados dos Andes como a quena (flauta de cana ou osso), a zampoña ou sicus (similar à flauta de pan), a tarka (flauta ortoédrica de madeira de uma só peça com seis furos, também conhecida como “anata” no norte da Argentina), o bombo leguero (bumbo de couro de ovelha ou guanaco), o charango (instrumento cordófono de 10 cordas ou mais feito com carapaça de tatu (chamado de “Quirquincho”) ou de madeira), ao violão e baixo acústico, o grupo fez uma síntese entre os sons do folclore e do cancioneiro latino-americano. Era acompanhado durante o show por Felix, pintor e irmão de Emílio de Angeles Nieto, que pintava as suas obras em telas de grandes dimensões (3,00 x 2,00 metros) no mesmo estilo retratado na capa do primeiro LP do grupo.


Os primeiros ensaios do Tarancón aconteceram no ano de 1972, e o primeiro disco foi gravado em 1976, chamado Gracias a la vida.


Faziam parte da primeira formação os músicos Miriam Miráh, Emílio de Angeles Nieto, Marli Pedrassa, Alice Lumi, Halter Maia, Jica Nascimento e Juan Falú. A partir do terceiro disco Sérgio Turcão entra substituindo Juan Falú. Da década de setenta até hoje, várias formações se sucederam.
Atualmente, o grupo é formado por Emilio de Angeles (flautas andinas, percussão e voz), Jorge Miranda (baixo, charango e voz), Ademar Farinha (flautas andinas, viola, charango e voz). Moreno Overá (viola, violão, baixo e voz), Lúcia Nobre (zamponha, percussão e voz), Jonathan Andreoli (Bombo leguero, bongô, caixa, cajón) e Natália Gularte (cajón, surdo, e efeitos percussivos).


Executavam canções de autores como os chilenos Violeta Parra e Victor Jara, os cubanos Pablo Milanés e Silvio Rodrigues, o argentino Atahualpa Yupanqui e os brasileiros Milton Nascimentoe Geraldo Vandré.

O Tarancón dividiu espetáculos com Mercedes Sosa, Milton Nascimento, Chico Buarque, Almir Sater, MPB 4, Angel Parra, Marlui Miranda, Raíces de America e outros.


Um dos momentos de destaque em sua carreira foi a participação do Festival dos Festivais da Rede Globo em 1985 com a canção “Mira Ira”, de Lula Barbosa e Vanderlei de Castro e defendida em conjunto com Lula, Miriam Miráh e Placa Luminosa – que venceu os prêmios de melhor arranjo e segundo lugar geral. Representaram a América Latina no Festival de Asilah no Marrocos em 1987.


INTERNET

Apesar do “sumiço” nas mídias “tradicionais”, os grupos foram redescobertos graças a dois fenômenos. “Há um público mais novo que nos acompanha, um segmento que gosta de trabalhos diferenciados, e os que vão para matar saudades e levam os filhos. O que também deu algum impulso foram as redes sociais e o Youtube”, comemora Míriam. Emilio de Angeles, do Tarancón, brinca. “Antes, (a plateia) era, digamos, mais estudantil, mas mudou muito. Hoje há uma meninada. É a quinta geração”. 



Discografia: Download

Gracias a La Vida (1976)
Lo único que Tengo (1978)
Rever Minha Terra (1979)
Bom Dia (1981)
Ao vivo (1982)
Amazona Vingadora (1985)
Terra Canabis (1986)
Mama Hue (1988)
Vuelvo para Vivir (1997)



Fonte:
http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/dialogos-musicais-grupo-tarancon/01022014/
https://quadradadoscanturis.blogspot.com.br/2015/08/tarancon-discografia.html
http://hojeemdia.com.br/almanaque/criado-em-1970-taranc%C3%B3n-se-re%C3%BAne-ao-ra%C3%ADces-de-am%C3%A9rica-1.247667
http://df.divirtasemais.com.br/app/noticia/programe-se/2014/04/11/noticia_programese,148553/praca-sera-palco-de-shows-de-grandes-nomes-da-musica-de-resistencia-a-ditadura.shtml
http://tarancon.com.br/

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Congada do Serro de Minas ganha livro para se manter viva durante a pandemia

Texto extraído de:
https://www.pressenza.com/pt-pt/2020/07/congada-do-serro-de-minas-ganha-livro-para-se-manter-viva-durante-a-pandemia/

Crédito da Imagem: Tiago Geisler)


No momento em que o debate sobre o racismo, a intolerância e a ameaça do fascismo dão a tônica das manifestações populares em todo mundo, no Serro, cidadezinha do interior de Minas Gerais, o povo se ressente de não poder se juntar para celebrar a união – de brancos, negros e índios – em torno do rosário de Maria.

A festa do Rosário se tornou a manifestação cultural mais forte no Vale do Jequitinhonha, no interior mineiro e é uma página viva da história da formação do povo brasileiro.

Conta a lenda, que a Virgem do Rosário apareceu sobre as águas, e que os caboclos e os marujos cantaram em seu louvor e pediram para que ela viesse até eles. No entanto não foram atendidos. Mas, quando os negros foram até a praia  dançaram e rezaram, conseguiram que ela viesse até eles. Desde então, de acordo com a crença, a Santa passou a ser a protetora do povo negro.

A partir daí, todos os anos, entre os meses de junho e julho, a negrada, a caboclada e a marujada se juntam em festa para celebrar o Rosário de Maria.

Organizada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, é na congada, composta exclusivamente por homens, que se dividem em quatro grupos,  com seus elementos, para fazer a leitura de cada povo sobre sua fé. Todas as representações são carregadas de simbolismos, como a caixa de assovios, pífaros e caixas de couro, representando os gemidos dos negros.  A marujada  com as cores azul e branco e os instrumentos harmônicos, como violões, violas e banjos representando os portugueses.

Já os caboclos com seus saiotes de penas, pulseiras, fitas e arco e flechas inserem o elemento indígena na manifestação. E, há também os catopês, os homens negros e pobres com suas roupas de chita multicor e que tocam o reco-reco, tamborins e caixas de de couro.

É uma história de união, através da fé, que mais parece uma grande utopia, mas que é real e que há 181 anos, encanta moradores, peregrinos e visitantes da região. Os congadeiros são pessoas simples, como motoristas, serventes, agricultores, pedreiros, babás – essa gente, de um Brasil profundo, que merece e precisa ser reconhecida.

E foi mergulhando nesse universo, que a pesquisadora, ativista cultural e cantora, Daniela Passos, construiu o livro “Contas e Cantos do Rosário”. A publicação, ainda não lançada, reúne histórias e símbolos da festa, mas, fundamentalmente, memórias e afetos desse importante encontro social das pessoas da região do Serro.


Esse ano, em decorrência da pandemia da Covi-19, não haverá festa. Os cânticos e danças  dos congadeiros, no entanto, não ficarão em silêncio, pois, o livro é uma forma de dar eco à manifestação e manter a chama acesa para que tudo volte a ser como era, quando o perigo passar.

Daniela Passos é carioca e mora há sete anos no Vale do Jequitinhonha, próximo das nascentes da cidade do Serro – “o que me trouxe para o sertão mineiro foi justamente a Festa do Rosário, uma paixão arrebatadora e à primeira vista”.

Para manter viva a cultura e a tradição da festa, a autora decidiu publicar o material, justamente nesse momento tão importante e tão difícil para os congadeiros do Serro e, para isso criou uma campanha para arrecadar os recursos necessários para  a publicação. Os recursos serão usados para os custos de impressão do material e outra parte será revertida para os Congadeiros do Serro.

Quem quiser participar e adquirir o material pode contribuir até o dia 15 de agosto de 2020. Todas as informações sobre como participar podem ser acessadas nessa página ou no instagram.